Domingos Guimarães de Sá (1929 - 2008)
Exemplo luminoso de solidariedade em tempo de emergência social
Não fora a lei da morte, faria hoje, 3 de Dezembro, 82 anos este benemérito cidadão bracarense que se notabilizou pela militância em prol de duas causa nobres: a solidariedade social, de inspiração e matriz cristã, e a defesa e promoção pioneiras da leitura infantil e juvenil em Portugal, de inspiração e matriz pedagógica e cultural.
Os testemunhos vivos e admiráveis da primeira das causas da vida de Guimarães de Sá são a Casa das Mães Solteiras ou Lar de S. José e o Lar de Idosos de S. Vicente de Paulo, instituições ambas sediadas na Freguesia da Sé.
A ideia de fundar, em Braga, uma casa para acolher mães solteiras, juntamente com os seus filhos, nasceu no seio das reuniões da Legião de Maria, presidida por Guimarães de Sá, por necessidade de dar resposta, na cidade, à grave situação de jovens mães solteiras, sem qualquer retaguarda familiar. Depois de um longo percurso de cerca de vinte anos, em condições precárias, o sonho de dar resposta digna a esta situação realizou-se, em 1988, com a inauguração do referido Lar das Mães Solteiras.
A segunda obra emblemática da sensibilidade e da solidariedade humana e social de domingos Guimarães de Sá é o Lar de Idosos de S. Vincente de Paulo. Da original "Cozinha dos Pobres", dos anos 60, passando pelo pioneiro "Centro de Dia", dos anos 80, que, durante 20 anos, funcionaram em instalações cedidas pelo Patronato de Nossa Senhora da Torre, também em condições muito limitadas, até à construção de uma casa própria, foi igualmente um longo e penoso percurso. Para a realização de mais este sonho, Guimarães de Sá, de mãos dadas com companheiros do mesmo ideal, teve que bater a muitas portas (Segurança Social, Câmara Municipal, Governo Civil, Fundação Calouste Gulbenkian, Clubes dos Rotários e Lions), também às portas do poder, pois, tal como referiu o então Governador Civil de Braga, Dr. Fernando Alberto Ribeiro da Silva, na inauguração deste Lar, "sempre aparecem obras como esta, desde que haja um homem que saiba subir as escadas do poder".
Não menos admirável e memorável que a vertente da solidariedade social foi a sua acção pioneira e profundamente pedagógica da promoção da Leitura e da Literatura Infantil e Juvenil, realizada a partir da Biblioteca Pública de Braga, onde Guimarães de Sá exercia a sua actividade profissional.
Em entrevista conduzida pela escritora Odette de Saint-Maurice, publicada no Diário do Minho, em 4 de Fevereiro de 1978, Guimarães de Sá deixava esta mensagem aos "novíssimos" de Portugal: "Com boas leituras pertencereis à melhor família do mundo".
As publicações de Guimarães de Sá, nesta área da Literatura Infantil e Juvenil, ilustram bem as vertentes pedagógica e cívica deste cidadão bracarense, cuja pertinência e urgência mantêm toda a sua actualidade.
(...) O "homem todo"
NASCEU PARA CANTAR A OUTRA FACE DAS LÁGRIMAS
Como violino ou candeia nas grandes noites de frio
A música do seu silêncio era habitada por crianças e mães abandonadas
E lareira para os avós
Não podia haver ruas com sós
Nem ilhas salgadas para todos nós
E os caminhos do poder são percorridos pelo homem simples e humilde
Onde palpita uma outra razão que nasce no coração
E a subir e a descer as escadas do PODER
Todas as portas se lhe abrem porque leva na mão o homem seu irmão
E nasce o espaço fraterno para os esquecidos
Multiplicam-se as bibliotecas infantis, os bares para os "sós" e para o avós
... e a cidade humana começa a cumprir-se sobre mãos lavadas e sangue transparente
Com a força do rio sobre o instante
Sob a árvore frondosa ou simples violeta
O herói quis e a obra nasceu numa certeza de seara e pão
Obra feita tempo sim?
O "HOMEM TODO CUMPRIU-SE ANTES DO TEMPO"
O poema foi interrompido
A obra continua
O herói descansa
Violetas para DOMINGOS GUIMARÃES DE SÁ
O FIM DE TARDE NÃO PODE SER VAZIO PARA QUEM SE CUMPRIU.
Maria Helena Araújo, in O Tempo e o Poema Interrompido
(2008)